quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Quem canta...

Passei o carnaval no sítio na companhia de um batalhão de amigos, e nos momentos oportunos fui gravando as vozes dessas dez canções.

Reconheço, com humildade, que estou passando por um momento de intenso aprendizado. I'm humbled, como dizem os ingleses. Minha vida cotidiana se mistura com minha vida no estúdio e no palco. A música derrubou de vez essas fronteiras. O jeito que eu caminho é o jeito que eu canto. Não se trata de uma carreira. Tudo é um mesmo percurso.

Ao longo dos anos, sempre gostei de cantar, e os resultados que alcancei foram à base de avanços aleatórios. Tenho confiança suficiente na minha voz para cantar para uma platéia ou para um gravador. Mas faltava um passo importante que comecei a dar agora. E isso dá um friozinho na barriga, daqueles bons. Esse passo é começar a tratar o corpo como um instrumento, e usar os recursos da voz como o faço com qualquer outro instrumento que eu toque. Minha parte preferida no estúdio vem se tornando cada vez mais dirigir cantores e cantoras, buscar a energia certa para que eles transmitam aquela vibração da maneira mais adequada, a serviço de cada canção. Ao me ver no lado oposto, de frente para o microfone, mais uma descoberta se fez, mais uma porta se abriu, mais um aprendizado se fez presente.

André Frateschi, Miranda Kassin e Gustavo Garde perderam preciosos momentos à beira da piscina ou de frente aos pores-do-sol para me ajudar naquilo em que são verdadeiros craques: cantar. Minha gratidão quase que explode. Me ensinaram truques, aquecimentos, técnicas e compartilharam experiências. E o resultado pude sentir na hora, a cada take. Ainda tenho bastante a melhorar, e estou encarando isso com alegria.

Essa etapa também é a mais emocional até agora. Cantar essas letras, dividir essas imagens, mexer lá no baú com a origem dessas músicas foi (tem sido) intenso, mais do que em qualquer outro trabalho que eu tenha feito até então. Porque sempre tive a sorte, como no caso do Ludov, de dividir as responsabilidades com outras 3 ou 4 pessoas (e seus talentos).

E antes que vocês se entediem de vez com meu deslumbramento, vou ficando por aqui. Espero mesmo que a maioria que for ouvir esse disco não reflita nem por poucos instantes sobre todas essas tantas elocubrações, e simplesmente ouça o que está por vir. No fim das contas, depois de tanto lero-lero, o que vai sobrar é um punhadinho de canções. Não quero que pareça que elas são tratados de metafísica. Pra mim podem até ser, mas pros outros, que sejam somente canções. Dó, ré, mi.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Soprando os tubos

Hoje fui ouvindo o Sticky Fingers dos Stones, em busca de uma referência para um solo de sax que quis colocar na Meus Fones. Sim, tem um solo de sax no meu disco. Sim, um ou outro vai torcer o nariz. Sim, minha mãe vai adorar. Não, nada mais além da minha própria vontade decide o que entra ou não nesse disco, então foda-se, tasca um solo de sax aí!


A verdade é que assim como não dá pra usar Beatles como referência pra nada, senão você se frustra, o mesmo acontece com Rolling Stones dos anos 60 e 70, por motivos díspares. Com os Beatles, a frustração é como as gravações são perfeitas, e como resultaram em discos maravilhosos. Com os Stones, é como gravações que hoje seriam consideradas desleixadas resultaram em discos maravilhosos!!!!

Mas tudo bem, o solo do Bobby Keys em "Brown Sugar" serviu de inspiração para um dia produtivo, no mínimo.

Quando se grava à medida que se monta o arranjo - ou arranja-se à medida que se vai gravando - sempre acontece uma coisa, em contrapartida a arranjar as músicas com uma banda ensaiada: alguma hora você começa a substituir timbres provisórios e registros de idéias por timbres cheios, verdadeiros. É o caso dos metais que gravei hoje. E aí você tem que se reacostumar com o lugar das coisas em cada música. Um baixo que antes parecia muito grave, agora emagreceu porque tem a companhia de um trombone de verdade. Uma guitarra que harmonizava com um trumpete falso (tocado em midi, ou num sintetizador), agora está 'competindo' com ele por um lugar ao sol...

Complicado.

Ao mesmo tempo, outro resultado é ver a música respirar mais, pulsar mais. Afinal, são pessoas soprando os tubos no lugar de logarítimos numa placa transistorizada. Ainda bem.

Então é isso, trombones, saxes e trumpetes agora fazem parte do time de sons que vai chegar até você em breve, num mesmo pacotão que é esse meu trabalho solo. (Caramba, tá acabando!!! Daqui a pouco é mixagem...)

E fiquei bem feliz porque o Paulinho de Viveiro, trumpetista, gravou linhas lindíssimas em Imagens do Japão, uma das mais tocantes pra mim.

E nesse carnaval, excepcionalmente (haha), vocês não vão me ver desfilando na avenida, nem dando vexame em bloco, nem cambaleando atrás de trio elétrico. Vou é pro sítio gravar as vozes principais!!! Brisa boa!

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Músicas são lugares

Músicas são lugares quando são bem-sucedidas. Músicas são bem-sucedidas quando são lugares.

Quando nos transportam para além de formato, para outros mundos, outras sensações. Para muito além do Ipod, do Itunes, do Youtube, da vitrola, do Blip, do Last.

Fiquei completamente hipnotizado por essa música que se chama "Sister Rosetta Goes Before Us". Ela me levou pra outro tempo, outro lugar. Liguei pra querida Miranda Kassin para que ela a ouvisse também. Está no álbum Raising Sand, do Robert Plant com a Alison Krauss. Descobri no Google que quem compôs foi Sam Phillips. Fiquei entusiasmado! O legendário Sam Phillips, fundador da Sun Records, descobridor de ninguém menos que Elvis Presley, tinha composto essa maravilha????



Não. Quem compôs foi uma figura interessantíssima com o mesmo nome do produtor famoso. Ela começou a carreira como cantora de músicas cristãs, sob o nome artístico Leslie Phillips. Nunca se sentiu à vontade nesse rótulo, mas cumpriu seu contrato de uns tantos discos por um selo religioso. Nos anos 90, ao se ver livre do contrato, rebatizou-se Sam Phillips, casou com o super produtor T-Bone Burnett, e escreveu maravilhas como essa "Sister Rosetta Goes Before Us". Conta frequentemente com o apoio do outro Elvis, o Costello, seu amigo próximo. Lançou e ainda lança discos que prometem ser muito bons. Estou baixando agora mesmo! Não se desperdiça a chance de ouvir uma nova parceria Sam Phillips+Elvis!!!



T-Bone Burnett virou referência nos meus papos com o Fabio, que é um grande admirador desse produtor americano. O cara tem todo um mito em volta dele, esse T-Bone. Dizem que ele só permite objetos de madeira, couro ou metal em sua sala de gravação. Pede até que os guitarristas retirem o escudo feito de plástico ao gravarem lá. Todo o preciosismo para capturar as suas amadas frequências graves com mais perfeição.



Ele, assim como o Daniel Lanois (produtor do U2 e Bob Dylan), aprendeu com os jamaicanos a tirar o grave da madeira, da vida, dos deuses, tocando o contrabaixo com um toque muito sutil do polegar ou do indicador , com o volume bem elevado, para reduzir o ataque e otimizar as frequências graves do instrumento.



No meu disco, juntei essa referência com o hábito do rocksteady de se dobrar as linhas de baixo com uma guitarra "pica-pau", e cheguei num som empolgante. Um som inspirado nos meus heróis Paul e Brian Wilson, mas procurando também o grave quente, acolhedor. Também aplicamos essa maluquice a algumas músicas das Vespas Mandarinas, minha banda com o Chuck Hipolitho (veja fotos da gravação aqui).

Em tempo: T-Bone Burnett produziu o disco do Robert Plant & Alison Krauss, e foi merecidamente bastante premiado pela sonoridade que atingiu, pelos climas que capturou, e pelos lugares a que nos transportou.

Arrivederci!